Frequentemente ouço, nas defesas de projetos pelos estudantes, alguns argumentos que pertencem a um ponto de vista “relativista”. Esses argumentos não são, de forma alguma, exclusivos dos estudantes, mas a maior parte das vezes, de seus orientadores. E é interessante observar como, dentro da crítica do projeto, várias questões podem ser levantadas a respeito de uma variedade de problemas, todas elas capazes de serem consideradas somente relativas ao contexto onde ocorrem. É assim por exemplo, na justificação do uso de determinadas soluções de projeto, ou mesmo, no postergamento das soluções, quando “não fazer nada” parece ser relativamente adequado.
O texto abaixo é uma reflexão sobre o relativismo, sem muita preocupação em aprofundar o tema em direções inúteis.
“Relativismo e irracionalismo
Como o relativismo, quando observado através da sua dinâmica e de sua “lógica”, acaba por se converter numa forma de irracionalismo.
Criticar o relativismo imperante em nossa sociedade supõe expor-se a duras críticas porque um ponto de vista que se encontra disseminado hoje em dia é o de que o relativismo equivale ao pluralismo e a liberdade. Atacar o relativismo seria, por esse ponto de vista, tomar partido contra esses valores e defender formas supostamente rígidas e autoritárias de conceber o indivíduo e a sociedade.
Mas se aprofundamos um pouco o conceito, descobriremos que os sinônimos mais corretos para se referir ao que hoje é chamado “relativismo” deveria ser indiviadualismo e subjetivismo. Quem defende uma atitude relativista diante da vida costuma ser frequentemente uma pessoa que considera a sua própria opinião como ponto exclusivo de referência. Se é essa a referência de uma sociedade inteira, o resultado será um conjunto de ‘indivíduos-ilhas’, um agregado de seres humanos partidários de uma liberdade que recusa ter limites. E é mesmo compreensível que indivíduos que pensam assim defendam o relativismo porque todo critério objetivo de comportamento suporia um corte de sua sacrossanta autonomia. Entretanto, não se pode logicamente demonstrar que o relativismo é pluralista uma vez que opiniões não relativistas são, na visão relativista, descartadas em nome de um subjetivismo que se fundamenta somente na ditadura do ‘eu’. Essa ditadura será por definição céptica e dirá um não às ideologias e às religiões, que ela considera termos equivalentes porque não reconhece a diferença entre fé secular e fé religiosa. Mas com isso, o relativismo está nos dizendo que devemos renunciar à funesta mania de pensarmos mais além das quatro esquinas do nosso universo particular. Isso não é em si mesmo irracionalismo, uma contradição imprópria a um ser racional? O irracionalismo é um efeito perverso, quem sabe indesejado, do relativismo.
Precisamente esse subjetivismo que pretende entender de tudo - ainda que não se aprofunde em nada - prescinde pouco a pouco da razão para interpretar os problemas sociais, políticos, filosóficos e reduz tudo a um psicologismo sentimental. O ‘eu’ soberano decidiu que o que ‘eu’ penso é ‘a verdade’, e a minha opinião vale tanto como a dos demais ou até mais, porque é ‘minha’. O subjetivismo radical pode escutar atenta e polidamente o conselho de um especialista, mas não mudará em nada o que pensa, porque se o fizesse, admitiria segundo seus valores que houve um corte de sua liberdade. E para o espírito relativista, antes de qualquer verdade ou certeza do mundo - se é que essas existem, pois tudo seria relativo -, está a sua liberdade individual, tal como um dogma professado. Assistimos assim o paradoxo dos que dizem que se emanciparam em nome da razão e optaram pela liberdade, cairem num rígido imobilismo que lhes impede de admitir a possibilidade de mudar suas opiniões preconcebidas. Não há nenhuma verdade a ser discutida. É esta a atitude irracionalista que é fruto do relativismo.
Mas há outros frutos, ainda piores, no relativismo. Dele vem também uma atitude generalizada de desconfiança em relação a tudo e a todos os que nos rodeiam: a consequência é levar os relativistas a pensar que ninguém é justo ou verdadeiro, que todos atuam com segundas intenções que devem sempre se ocultar. Dizendo de outra forma, para o relativista, tudo é mentira porque nada é verdade. A desconfiança também é uma via para o irracionalismo. Nessas circunstaâncias, o ser humano é um animal isolado, preocupado tão somente em marcar seu território, onde ergue seu santuário da sua autonomia pessoal. O mal é que a desconfiana sistemática alimenta o ódio, e acaba por ‘desumanizar’ os demais, privando-lhes de ter um rosto, de serem pessoas concretas, uma vez que assim ficam categorizados no ceticismo relativista. Ao final de tudo o ‘outro’ é um intruso, um perigoso invasor contra o qual tem de se promover um combate. Mas o pior é que o ódio pelos outros se disarce de realização da Justiça, de ‘exigência dos próprios direitos’. São de fato ‘direitos’ ou um aglutinado de egoísmos individuais ou coletivos? O termo ‘egoísmo’ está proscrito para muitas pessoas porque pressupõe um juízo de valor – e se baseia em fundamentos ‘objetivos’ –sobre condutas que podem fundamentar-se em uma liberdade sem limites. Sem dúvida, o slogan mais apropriado para esses nossos tempos seria: ‘O que é a liberdade? Minha santa vontade!’ Esta frase também nos direciona para uma atitude irracional.
A idéia do outro desaparece no discurso do relativismo entendido como subjetivismo e individualismo radical. O mundo que podemos construir é aquele mundo de flaneurs solitários, vagabundos sem rumo fixo, sem passado nem futuro e apegados a um presente que se deseja sem fim. O coração – importante numa sociedade que tanto diz que valoriza os sentimentos – se torna pouco a pouco raquítico, pequeno, o que contrasta com as frequentes invocações a solidariedade dentro dessa sociedade. Mas essa solidariedade corre o risco de reduzir-se ao material, a transformar a ajuda objetiva em um número de conta corrente, em que se alojam os recibos para causas benéficas. O relativismo não é o mais adequado para resolver os problemas da convivência humana. Em teoria, pareceria que sim, porque supostamente ele respeitaria a liberdade dos outros indivíduos. Ou seja, no relativismo todos teríam o direito de permanecer ancorados em suas convicções e não deveriam impô-las aos outros – nem sequer sugeri-las. Mas, se não buscamos aquilo que temos em comum e isso não se alcança com o mero consenso de textos ou declarações, como buscar algum objetivos social? A debilidade do relativismo está no fato de que ele cai no alçapão das idéias abstratas e não é capaz de oferecer soluções concretas para problemas concretos. O relativismo se dirá pragmático, mas ao final das contas torna-se muito pouco prático. É incapaz de abordar soluções específicas porque pensa que isso limitaria a liberdade dos indivíduos e, sob o ponto de vista de seu cepticismo, não está seguro sobre qual pode ser a solução adequada. O relativismo se transforma, assim, no que provavelmente querem os seus patrocinadores: uma forma a mais de imobilismo.
É irracionalista evitar pensar e evitar se aprofundar em muitos aspectos da complexa existencia humana; é irracionalista pensar que não existe outra ética diferente da que eu me dou a mim mesmo. O relativismo constroe o vazio e não admira que ele abra espaço para a ocupaão desse vazio por um Estado que se dirá, diante disso tudo, um referencial ético.
Antonio R. Rubio Plo
Historiador e Analista de Relações Internacionais”
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